BBC
Anfetamina começou a ser receitada na década de 1960 e era conhecida como “pílula da matemática”, sendo hoje usada para tratar TDAH; sua popularidade está ligada à disputa com URSS
Pressão por rendimento escolar foi motivação para sintetizar medicamentos para concentração
Foto: Pedro Silveira
Durante a década de 1960, era comum, nos Estados Unidos, que crianças hiperativas recebessem um medicamento para ajudá-las a se concentrar nas aulas.
A chamada “pílula da matemática”, a Ritalina, continua sendo um dos tratamentos mais usados em vários países para tratar o transtorno de déficit de atenção com hiperatividade (TDAH). Seu principal componente, o metilfenidato, da família das anfetaminas, tem a propriedade de estimular a concentração e reduzir a impulsividade.
Essas qualidades eram consideradas necessárias dentro da transformação, durante a década de 1960, do sistema escolar dos EUA, que queria competir com a União Soviética no contexto da Guerra Fria, de acordo com o historiador Matthew Smith, da Universidade de Strathclyde (Escócia) e autor do livro Hyperactive: The Controversial History of ADHD (Hiperativos, a controversa história do TDAH).
“Havia uma corrida científica e espacial com a União Soviética e por isso o novo sistema educativo exigia que as crianças permanecessem sentadas em suas carteiras fazendo tarefas”, disse. Quando a droga foi sintetizada, em 1944, pelo químico italiano Leandro Panizzon, não estava previsto que crianças pudessem tomá-la.
Então como ela acabou virando a solução predileta dos pais e psiquiatras para os pequenos hiperativos?
Fármacos no pós-guerra
Existe uma lenda urbana de que Panizzon batizou o medicamento de Ritalina em homenagem a sua mulher, Margarida, que chamava pelo apelido carinhoso de Rita. “Ela tomava o comprimido antes de jogar tênis. Aparentemente, sofria de pressão baixa e isso lhe dava um empurrão na partida”, destacou Smith.
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O laboratório onde ele trabalhava, Ciba, começou a comercializar o fármaco para adultos com a mensagem de que era mais forte que uma xícara de café mas não tão intenso nem com efeitos secundários de outras anfetaminas mais potentes. Na época de seu surgimento, o mercado de medicamentos passava por várias mudanças e avanços.
No pós-guerra, começaram a ser tratadas doenças como tuberculose, e teve início a vacinação contra a pólio. “As pessoas começaram a recorrer a fármacos como solução para tudo”, disse Smith, que acrescenta que drogas psiquiátricas também geraram otimismo e que isso se manteve por mais duas décadas até a descoberta de efeitos secundários e de seu potencial viciante.
Fórmula para crianças
Em uma pesquisa de 1937, o psiquiatra Charles Bradley fez uma descoberta: depois de administrar anfetaminas a um grupo de crianças para tratar dores de cabeça, ele notou que elas tinham o surpreendente efeito de estimular sua concentração.
Sua descoberta foi investigada duas décadas depois, quando o psicólogo clínico Keith Conners, em 1964, da Universidade Johns Hopkins em Baltimore (EUA), fez o primeiro ensaio clínico aleatório com ritalina em crianças com “transtornos emocionais”.
O jovem pesquisador estava intrigado com a possibilidade do tratamento com drogas, porque os baseados em terapia não pareciam dar resultado. O estudo mediu concentração, níveis de ansiedade e impulsividade.
Desde os anos 1960, a ritalina é usada para tratar crianças com problemas de concentração
Foto: Antonio Scarpinetti/Unicamp
A resposta das crianças foi imediatamente positiva. “Estavam emocionadas de tomar um remédio que ajudava com suas tarefas. Sentiam que já não eram crianças problemáticas ou más”, disse Conners à BBC.
Depois que Conners e seus colegas publicaram os resultados, a Ritalina começou a ser usada com mais frequência para tratar hiperatividade em crianças americanas. Segundo o historiador Matthew Smith, os professores começaram a indicar crianças com problemas de conduta a psiquiatras, que quase sempre diagnosticavam transtorno de hiperatividade. “O sistema escolar pressionava as crianças a se sentarem quietas nas carteiras e se concentrarem”, disse Smith.
Consumo “excessivo”
Apesar de haver ajudado a popularizar o medicamento na sociedade americana, Conners acredita que hoje ele é usado em excesso. “Quando começamos, não conseguíamos convencer as pessoas de que havia crianças com TDAH. Agora parece que elas são encontradas até embaixo das pedras”, disse ele à BBC.
O psicólogo considera que este transtorno está sendo diagnosticado de forma excessiva e que outros fatores são ignorados. “Um número significativo de crianças em idade escolar é dignosticado com TDAH quando, na realidade, pode ser que sejam muito jovens para a série em que estão. Ou podem ter outras desordens parecidas com o TDAH”, disse.
No Brasil, a discussão sobre consumo excessivo da droga entre crianças também ocorre. Um boletim divulgado no ano passado pelo Ministério da Saúde diz que, segundo o Instituto Brasileiro de Defesa dos Usuários de Medicamentos, o Brasil era, em 2010, o segundo maior consumidor de Ritalina do mundo.
O ministério recomendou que os Estados aumentassem o controle sobre prescrição e distribuição da droga para evitar a “medicação excessiva” de crianças. O documento diz que há estimativas discordantes sobre a ocorrência de TDAH em crianças e adolescentes no Brasil, que variam de 0,9% a 26,8%.
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