Gabriela Brito
Presidente da Academia Nacional de Cuidados Paliativos diz o que mudou desde o reconhecimento da prática pelo Conselho Federal de Medicina
Objetivo do cuidado paliativo é melhorar a qualidade de vida do paciente diante de uma doença que ameace a vida
Foto: Shuttersock
“Na fase terminal de enfermidades graves e incuráveis é permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente, garantindo-lhe os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, na perspectiva de uma assistência integral, respeitada a vontade do paciente ou de seu representante legal.”
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A resolução acima foi publicada há exatos dez anos pelo Conselho Federal De Medicina. Na época, o texto gerou polêmica por reconhecer a prática dos cuidados paliativos, que ainda hoje é visto por algumas pessoas como algo que pode antecipar a morte.
“Existe ainda muita má informação. Tem gente que pensa que o cuidado paliativo só é usado nas últimas horas de vida, que vai abreviar a vida, que a gente vai somente sedar o doente; e isso é acreditado mesmo entre os profissionais de saúde e em alguns hospitais”, afirmou a presidente da Academia Nacional de Cuidados Paliativos, Dra. Maria Goretti Maciel.
Segundo a Organização Mundial da Saúde, a prática consiste “na assistência promovida por uma equipe multidisciplinar, que objetiva a melhoria da qualidade de vida do paciente e seus familiares, diante de uma doença que ameace a vida”. Frequentemente relacionado ao câncer, esse tipo de cuidado também pode ser usado em casos de doenças crônicas, como as cardíacas ou o diabetes, que acabam deteriorando a saúde do paciente após um longo período.
Mesmo com os problemas que ainda encontra no dia a dia do trabalho, Dra. Goretti acredita que os últimos dez anos foram revolucionários em relação à prática. “Ainda estamos longe do que queremos alcançar, que é ter o cuidado paliativo em todos os hospitais, qualificado, mas nunca se falou tanto em cuidado paliativo.”
Dificuldade em lidar com a morte
Apenas uma coisa é certa ao nascermos: um dia, todos nós vamos morrer. Ainda assim, o tema ainda é um tabu na sociedade e causa medo em muitas pessoas. Em relação aos profissionais de saúde, por exemplo, existe também o medo de uma possível frustração com o paciente.
“Existe um receio em lidar com a pessoa que vai morrer, um sentimento de impotência muito grande e uma sensação de que não vai dar conta daquilo. Por outro lado, também vemos uma banalização e coisas terríveis, como profissionais que acreditam que não há mais nada para se fazer com a pessoa, mas os cuidados paliativos vêm como uma resposta. Há muito o que se fazer.”
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Muitas pessoas acreditam que a médica só vê sofrimento em seu trabalho, mas Dra. Goretti e sua equipe conseguem, na maioria das vezes, proporcionar um conforto físico e emocional para o paciente e também à família. O cuidado paliativo envolve diversos profissionais, como médicos, enfermeiros, nutricionistas, fisioterapeutas e até mesmo líderes espirituais em alguns casos.
O objetivo principal não é prolongar a vida do paciente, já que ele já está no fim da vida, mas alguns estudos mostram que este cuidado diferenciado acaba até mesmo dando um maior tempo de vida, e com qualidade, à pessoa. “Eu continuo com a missão de proteger da morte e da doença.”
A diferença é que os profissionais palitivistas procuram usar a menor quantidade de medicação possível e até mesmo evitam alguns exames, fazendo uma análise mais clínica do paciente para não expor a pessoa. No caso da morfina, analgésico do grupo dos opioides e muito usado, a utilização é feita com muito cuidado e com doses muito baixas, para não causar prejuízos.
Sistemas de saúde
A capacitação dos profissionais ainda é um problema, mas já existem cursos de aperfeiçoamento e especialização em São Paulo, Belo Horizonte, Fortaleza, Salvador e Recife, segundo Dra. Goretti. Por conta disso e a questão do preconceito que ainda existe, o trabalho paliativo nos sistema de saúde público e privado ainda estão muito no começo Brasil na visão da especialista.
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Ela lembra que no Índice de Qualidade de Morte de 2015, levantamento feito pela consultoria britânica Economist Intelligence Unit, dos 80 países avaliados, o Brasil ficou apenas na 42ª posição. Considerando só a América, o País fica atrás dos Estados Unidos, Canadá, Chile, Costa Rica, Panamá, Argentina, Cuba, Uruguai e Equador.
Quando avaliada a capacidade de oferecer o cuidado paliativo, apenas 0,3% dos pacientes que morreram no último tiveram acesso ao serviço. É o mesmo índice do Iraque e de Gana e pior que países como Malaui, Uganda e Quênia.
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