A triste notícia de que seis estudantes da Unesp (Universidade do Estado de São Paulo), em Bauru, em março deste ano, entraram em coma – um deles faleceu – por conta do excesso de bebida alcoólica causou espanto em todo o país. Afinal, os jovens estão bebendo mais ou sempre foi assim?
De acordo com a psiquiatra Ana Cecília Marques, presidente da ABEAD (Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas ), eles estão realmente bebendo em excesso, e o mais grave: em um intervalo curtíssimo de tempo entre uma dose e outra. Essa prática, denominada beber em ”binge” (uso pesado e episódico de álcool), ocorre quando há ingestão de cinco doses de álcool para os homens e quatro para as mulheres, em um espaço de duas horas.
”Isso é extremamente prejudicial, porque o fígado só consegue metabolizar uma dose de álcool a cada uma hora e meia. O resto ingerido é etanol puro. Vai para o cérebro e pode causar depressão respiratória e parada cardíaca. O resultado é uma overdose, como acontece com qualquer outra droga, como a cocaína, por exemplo.”
Infelizmente, a maioria dos jovens não tem muita noção da letalidade do álcool. Na prática, segundo o professor voluntário do Departamento de Neurologia, Psicologia e Psiquiatria da Faculdade de Medicina de Botucatu da Unesp, José Manoel Bertolote, uma pessoa de cerca de 80 kg atinge o nível letal de álcool se ingerir aproximadamente 1 litro de bebida destilada em curto intervalo de tempo. Se tomarmos como base uma dose de 30 ml, a partir de trinta doses já nos aproximamos da dose letal; entretanto, os copos de café usados em festas têm capacidade de 50 ml, portanto a dose letal para esse mesmo indivíduo seria de vinte copinhos cheios de bebida destilada. No caso de Bauru, a vítima fatal ingeriu vinte e cinco copinhos de vodca, o que significa 1.250 ml da bebida (um litro e um quarto), quantidade acima da dose letal conhecida.
Segundo dados do último Lenad (Levantamento Nacional de Álcool e Drogas ), entre os anos de 2006 e 2012 houve um crescimento significativo dessa forma de consumo: de 45% para 59% na população de bebedores. Na população masculina, houve um aumento de quase 30%; no público feminino, de 36%.
É preciso diferenciar o que significa beber em excesso e alcoolismo. O primeiro ocorre quando se ingere mais doses do que o pretendido num único evento, causando riscos potenciais e elevados de sofrer um acidente de carro ou envolver-se em brigas, por exemplo, e de desenvolver problemas de saúde menos graves, como gastrite.
Já na dependência etílica, além do portador perder o controle em relação ao consumo, ele simplesmente não consegue ficar sem a bebida. O indivíduo cria tolerância ao álcool e quando passa algumas horas sem beber, entra em síndrome de abstinência, cujos sintomas vão desde o aumento da pressão arterial até irritabilidade e tremores.
”O alcoolismo entre os jovens é um pouco mais raro, pois, se considerarmos que eles começam a beber por volta dos 17 anos, como aqui na região metropolitana de São Paulo, é preciso um intervalo de tempo maior para que se tornem doentes. Na verdade, a gente sabe que a dependência começa a se instalar por volta dos 35 anos. O que nos preocupa mais nesse público é o consumo abusivo”, explica Camila Magalhães Silveira, médica psiquiatra, pesquisadora e coordenadora do CISA (Centro de Informações sobre Saúde e Álcool).
A dra. Ana Cecília Marques ressalta, por sua vez, que nos manuais diagnósticos de psiquiatria, o abuso já vem sendo considerado como o primeiro estágio da dependência. Antigamente a intervenção terapêutica entre o abusador e o dependente era distinta.
”A recomendação para o primeiro grupo era para que houvesse uma diminuição gradual na ingestão de bebida. Hoje, com essa mudança na classificação, nós vamos ter que trabalhar a questão da abstinência já nos abusadores, porque o risco de ficarem dependentes é alto”, conta.
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